Matéria Orgânica Extraterrestre

TITÃ, SATÉLITE NATURAL DE SATURNO, IMAGEM DA SONDA CASSINI DA NASA. TITÃ POSSUI UMA DENSA ATMOSFERA DE NITROGÊNIO CONTENDO COMPOSTOS ORGÂNICOS COMPLEXOS CHAMADOS THOLINS, POR CARL SAGAN. AS REGIÕES ESCURAS NA SUPERFÍCIE SÃO INTERPRETADAS COMO LAGOS DE METANO E ETANO LÍQUIDOS. 

A química orgânica é a área da Química que estuda os compostos orgânicos. E o que seriam compostos orgânicos? Durante o século XIX os químicos já separavam as substâncias inorgânicas daquelas orgânicas, isto é, que eram consideradas terem relação com os seres vivos, que compõem e são sintetizadas pelos seres vivos.  No entanto, o primeiro a realizar essa separação, de forma mais qualitativa, foi Mylius em 1618 onde em seu livro intitulado Basílica Química ele faz a distinção entre compostos do reino mineral dos do reino vivo. Em 1777 o químico Bergmann fez a distinção entre a química dos minerais da química dos produtos de origem biológica.

Em 1808 o químico Berzelius pela primeira vez utilizou o termo Química Orgânica para se referir aos compostos de origem biológica. Ele levantou a hipótese da Força Vital que dizia ser todos os compostos orgânicos de origem biológica e não poderiam se sintetizados a partir de matéria inorgânica porque necessitava-se de uma "força vital" para fabricá-los e somente formas de vida teriam essa "força". No entanto, em 1828, um dos alunos de Berzelius, o químico Wöhler, conseguiu por serendipidade converter o sal inorgânico cianato de amônio em uréia. Pela primeira vez havia sido confirmado em experimentos de laboratório que um material mineral poderia ser convertido em um composto que na época era conhecido apenas da excreção de animais, a uréia. Mesmo depois desta confirmação Berzelius apontou que essa descoberta não violava sua hipótese da força vital porque o sal cianato de amônio tinha origem biológica, oriunda da calcinação de ossos de animais. 

Até os dias de hoje se aceita que compostos orgânicos podem ser sintetizados apartir de materiais inanimados e milhões dessas substâncias são sintetizadas hoje por laboratórios farmacêuticos. Qual a definição de uma substância orgânica? Esse termo "orgânico" permaneceu na terminologia moderna devido aos estudos de que a maioria dessas substâncias têm participação fundamental nos organismos vivos. Uma substância orgânica é toda aquela que é composta do elemento carbono ligado a átomos de hidrogênio. O "esqueleto" de todas as moléculas orgânicas são os hidrocarbonetos. O elemento carbono é tetravalene, isto é, pode realizar quatro ligações covalentes simples com quatro outros átomos ou grupos moleculares. O carbono também realiza ligações com ele mesmo favorecendo a formação de cadeias longas e complexas de átomos de carbono estáveis. Estas propriedades do elemento carbono permitem a ele ter uma química extremamente diversificada e altamente complexa sendo separado para estudo único do restante dos outros elementos da Tabela Periódica. Geralmente as moléculas orgânicas são compostas dos átomos de carbono ligados comumente aos elementos H, O, N, P e S. Os organometálicos são compostos onde existem ligações covalentes entre átomos de carbono e metais, normalmente metais de transição externa.

REPRESENTAÇÃO DA MOLÉCULA DE METANO, O COMPOSTO ORGÂNICO MAIS SIMPLES. O CARBONO PODE FAZER ATÉ QUATRO LIGAÇÕES COVALENTES COM OUTROS ÁTOMOS TAIS COMO O HIDROGÊNIO NOS HIDROCARBONETOS.

As substâncias orgânicas mais simples são os hidrocarbonetos, esses são moléculas compostas apenas de átomos de carbono ligados a átomos de hidrogênio. O hidrocarboneto mais simples é o metano, cuja molécula contém um único átomo de carbono ligado a quatro átomos de hidrogênio. O metano é um gás nas condições de temperatura e pressão ambientes e representa um grande percentual (84% a 95%) do gás natural explorado principalmente nas bacias sedimentares na Terra associado muitas vezes ao petróleo. O metano pode ter origem abiogênica como podemos observar diversos corpos do Sistema Solar que são ricos em gás metano como os gigantes gasosos Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, que possuem gás metano em suas atmosferas misturado ao hidrogênio molecular e ao gás hélio. Também cometas apresentam em suas caudas o gás metano que já foi detectado inúmeras vezes através de espectroscopia e através de sondas espaciais. 

O metano é abundante no maior satélite natural de Saturno, Titã. A atmosfera de Titã contém um percentual de metano e etano e existem lagos de metano e etano líquidos e gelos de metano em suas paisagens alienígenas. Os hidrocarbonetos também foram detectados no meio interestelar, compondo as nuvens moleculares no coração das gigantescas nebulosas que compõem não somente a Via Láctea, mas muitas outras galáxias. O etano é o próximo hidrocarboneto mais simples composto de dois átomos de carbono ligados entre si e ligados a seis átomos de hidrogênio no total. Depois segue-se os hidrocarbonetos com número crescente de átomos de carbono tais como propano, butano, pentano, hexano, heptano, octano, nonano, decano, etc. Quanto maior o número de carbonos na molécula de hidrocarboneto maior o ponto de ebulição do composto. Por exemplo, além do butano os hidrocarbonetos se tornam líquidos nas condições ambientes. O petróleo é o maior exemplo de uma mistura de hidrocarbonetos encontrado nas rochas sedimentares terrestres e que possui origem biológica fóssil e parte dele tendo também origem abiótica (teoria do petróleo abiogênico).

IMAGEM COMPOSTA EM INFRAVERMELHO DO PLANETA URANO. O METANO É UM DOS COMPONENTES DA ATMOSFERA DO PLANETA.

IMAGEM DE TELESCÓPIO ÓPTICO DA REGIÃO CENTRAL DA VIA LÁCTEA. AS REGIÕES ESCURAS EM MEIO AOS BILHÕES DE ESTRELAS SÃO GIGANTESCAS NUVENS MOLECULARES, REGIÕES ENRIQUECIDAS COM MOLÉCULAS ORGÂNICAS.

DETALHE DA SUPERFÍCIE DE TITÃ OBTIDO POR RADAR DA SONDA CASSINI, DA NASA, EVIDENCIANDO UM LAGO GIGANTE DE HIDROCARBONETOS, INTERLIGADO NUMA COMPLEXA BACIA COM RIOS E TRIBUTÁRIOS DESENBOCANDO NO LAGO.

A filosofia sobre a origem dos compostos orgânicos levantada por Berzelius no século XIX traz à tona sobre se os compostos orgânicos realmente teriam origem totalmente abiogênica ou mesmo sendo sintéticos teriam dependência da energia biológica ou de outros processos onde a biologia estaria presente. O astrofísico Fred Hoyle, responsável pela teoria da nucleossíntese estelar e da teoria cosmológica do estado estacionário, era o principal apoiador da teoria da panspermia cósmica juntamente com o astrônomo Chandra Wickramasinghe. Ele afirmava que Wöhler estaria errado em sua interpretação da conversão química do cianato de amônio em uréia e que a visão de Berzelius não havia sido derrubada. No argumento de Fred Hoyle e Chandra Wickramasinghe os compostos orgânicos sempre dependem de uma etapa onde a biologia está envolvida. Segundo eles a vida é eterna, isto é, não teve uma origem distinguível no tempo, devido à teoria deles levar em conta que o Universo é infinitamente velho sendo difícil traçar a "primeira" origem da vida. 

No exemplo do experimento de serendipidade de Wöhler, Hoyle e Wickramasinghe afirmam que o sal inorgânico cianato de amônio não tem origem estritamente abiogênica, mas que esse sal foi, como apontado por Berzelius, resultante da calcinação de material biológico. Outra origem do cianato de amônio é através da reação bioquímica complexa realizada por bactérias que podem converter compostos biológicos em cianato de amônio. Veremos mais adiante que a natureza é extremamente versátil e diversificada, moléculas orgânicas podem provir de vias totalmente abióticas e de vias híbridas, como também de vias totalmente bióticas. Além do exemplo de Wöhler, pode-se mencionar o exemplo da criação de acetileno, um hidrocarboneto, através da hidrólise de carbeto de cálcio, um composto totalmente originado de processos abióticos. Ao se adicionar carbeto de cálcio em água rapidamente esse composto se decompõe em hidróxido de cálcio e gás acetileno. Neste exemplo se produziu um composto orgânico, que é liberado por frutas para amadurecimento, através de um processo totalmente desprovido de vida.

A teoria da panspermia (que discutirei em outra série de artigos) se embasa no experimento realizado por Louis Pasteur. Na época da grande discussão sobre a origem das formas de vida na Terra a teoria derivada da visão de Aristóteles, da geração espontânea da vida a partir de matéria não viva, estava em alta. No entanto, o experimento de Pasteur veio para dar um ponto final na discussão da geração espontânea ou abiogênese. Em seu experimento ele separou dois vidros de laboratório chamados frascos com pescoço de cisne. Ele esterilizou uma mistura de nutrientes, um caldo nutritivo, por ebulição e adicionou em dois frascos pescoço de cisne. Um dos frascos ele quebrou o pescoço do vidro deixando o caldo exposto à atmosfera e no outro frasco ele deixou o frasco sem acesso ao meio externo deixando o pescoço intacto. Após um período considerável de tempo ele verificou no microscópio o que havia acontecido aos dois caldos nutritivos. No caldo exposto ele verificou a presença de microorganismos se desenvolvendo. No entanto, no frasco isolado o caldo nutritivo permaceu estéril, sem microorganismos. Ele concluiu então que o caldo exposto foi contaminado com microorganismos do meio externo que se alimentaram dos componentes do caldo e se reproduziram, no entanto, no outro caldo não houve contato com o meio externo e, portanto, não houve contaminação. Logo, formas de vida surgem no ambiente apenas quando este é "contaminado" com seres vivos pré-existentes. O caldo não gerou espontaneamente os organismos. A partir daí se deu origem à "pasteurização" que consiste em se esterilizar os alimentos aquecendo sob determinadas condições de temperatura, pressão e intervalo de tempo para aumentar o tempo de validade das comidas. 

DIAGRAMA SIMPLIFICADO DO EXPERIMENTO DE PASTEUR QUE REFUTOU DE UMA VEZ POR TODAS A HIPÓTESE DA GERAÇÃO ESPONTÂNEA DE VIDA. A TEORIA DA PANSPERMIA CÓSMICA TEM COMO BASE ESSE EXPERIMENTO.

O experimento de Pasteur mostrou que vida provém apenas de vida. A partir desse experimento e de outros argumentos, Hoyle e Wickramasinghe formularam sua hipótese de que a vida não surgiu na Terra, mas foi trazida por cometas e asteroides no início do Sistema Solar. A Terra teria sido infectada por microorganismos alienígenas que encontrando um ambiente propício para se reproduzirem iniciaram o processo de transformação geoquímica da atmosfera terrestre e começaram a escalada da evolução biológica. Sem muitas delongas, outros pesquisadores realizaram experimentos de abiogênese, como o famoso experimento de Urey-Miller que mostrou ser possível sintetizar aminoácidos a partir de descargas elétricas em uma atmosfera redutora de metano, nitrogênio e vapor de água. Eles simularam as condições hipotéticas da Terra há mais de 4,0 bilhões de anos e comprovaram que algumas moléculas orgânicas podem ser sintetizadas a partir de moléculas de origem abiótica. Entretanto a síntese de moléculas orgânicas está muito distante de mostrar a "síntese" de um organismo vivo. 

Como vimos o Universo está repleto de moléculas orgânicas, como por exemplo, os hidrocarbonetos. De onde vieram essas moléculas? Representam resíduos de formas de vida extraterrestre ou foram sintetizadas de forma abiogênica por processos astrofísicos? Quando encontramos compostos orgânicos naturalmente ocorrendo aqui na Terra estamos acostumados a dizer que eles têm origem biológica. Somos levados pelo conceito sólido de Pasteur de que esses compostos são resíduos ou produtos de atividade biológica. No entanto, não estaríamos também utilizando a hipótese de Berzelius da força vital de forma inconsciente? Por exemplo, a teoria da origem abiogênica do petróleo é considerada por muitos pesquisadores como uma pseudociência. Por quê? Enquanto isso, quando moléculas orgânicas são encontradas em meteoritos ou são detectadas no meio interestelar, prontamente se abraça a visão de Wöhler e se diz que aquelas moléculas com toda a certeza são de origem abiótica. Porque não seriam de origem também biótica? Os processos naturais na Terra geram moléculas orgânicas apenas de forma biológica e os processos naturais que ocorrem no espaço geram moléculas orgânicas apenas de forma abiótica, porque não existe vida no espaço, apenas na Terra. Será mesmo?

O astrofísico Thomas Gold, contribuidor das teorias cosmológicas contrárias ao Big Bang, foi um dos grandes apoiadores da hipótese do petróleo abiogênico no ocidente. Ele afirma que assim como existem moléculas orgânicas abundantes no espaço e muitas evidências no Sistema Solar, na Terra os hidrocarbonetos teriam sido gerados por processos inorgânicos no manto terrestre e ascendem à superfície tal qual os magmas se alojando preferencialmente em rochas de alta porosidade e permeabilidade, tais como as rochas sedimentares. Gold abraça como visão unificadora a filosofia levantada pelo experimento de Wöhler afirmando que as moléculas orgânicas podem ter origem abiótica tanto na Terra como no restante do Universo. Na visão de Thomas Gold os compostos orgânicos tem origem abiótica e também biótica. No entanto, assim como os hidrocarbonetos são abundantes, por exemplo, em Titã e não necessariamente são de origem fóssil, assim também na Terra eles seriam abundantes e de origem primordial, oriundo do manto da Terra. De fato, existem muitos poços de gás natural e petróleo que possuem origem abiótica e parte do petróleo, ou grande parte dele, tem também origem biológica fóssil. Então não seria do mesmo jeito no espaço? Existiriam processos de síntese de matéria orgânica abióticos e parte dessa matéria orgânica serviria de alimento e meios metabólicos de microorganismos alienígenas? Na Terra o petróleo serve de alimento para alguns tipos de bactérias. Assinaturas de hopanoides, compostos orgânicos existentes na parede celular de bactérias, foram encontradas em muitos petróleos extraídos das porções mais superficiais de bacias sedimentares, indicando contaminação biológica por essas bactérias que estariam se alimentando dos hidrocarbonetos.

OS PRINCIPAIS PROPONENTES DA TEORIA DO PETRÓLEO ABIOGÊNICO, ENTRE ESTES O QUÍMICO DMITRI MENDELEEV, FORMULADOR DA TABELA PERIÓDICA. O ASTROFÍSICO THOMAS GOLD FOI O PRINCIPAL DEFENSOR MAIS RECENTE DA TEORIA NA HISTÓRIA.

A matéria orgânica de origem extraterrestre já é conhecida dos primeiros pesquisadores que detectaram estas substâncias nos condritos carbonáceos no século XIX. Um desses pesquisadores foi o próprio Wöhler que estudou vários compostos presentes no meteorito Orgueil, um condrito carbonáceo primitivo do grupo químico CI. Os condritos carbonáceos são os meteoritos oriundos de asteroides das regiões mais distais do Cinturão Principal. Os asteroides carbonáceos possuem uma característica assinatura espectral na faixa do infravermelho evidenciando um regolito rico em moléculas orgânicas complexas, principalmente se teoriza serem hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, resultantes da reação de transformação química pela absorção de radiação ultravioleta solar polimerizando moléculas mais simples e convertendo-as em moléculas maiores e mais complexas. Esses compostos orgânicos complicados estão em muitos corpos sólidos do sistema solar. Exemplos existem desses compostos na alta atmosfera de Titã dando a ela aquela característica coloração alaranjada. Carl Sagan nomeou essas substâncias de tholins. Eles estão também presentes em Plutão e Caronte sendo aquelas manchas avermelhadas. Europa, a lua de gelo de água de Júpiter, apresenta ao longo das falhas geológicas por onde o gelo se abre em processo de criotectônica, uma quantidade considerável de thollins marcados pelas estrias marrom avermelhadas. 

O meteorito mais estudado em termos de compostos orgânicos de origem extraterrestre é o condrito carbonáceo Murchison. Sendo uma queda testemunhada em 1969 na pequena cidade de Murchison, na Austrália; esse meteorito foi coletado pouco tempo depois de sua queda permitindo que as moléculas orgânicas nele presentes fossem preservadas de contaminação terrestre acentuada. O Murchison é um condrito CM, um dos mais primitivos condritos existentes. Primitivo aqui significa que a proporção de elementos químicos no meteorito é muito semelhante à distribuição cósmica dos elementos químicos, isto é, aquela medida na fotosfera solar. Essa distribuição cosmoquímica padronizada para o Sol é chamada de SAD (Standard Average Distribution) e representa a composição aproximada da nebulosa solar. A diferença entre os condritos CI e CM e o SAD está na quantidade dos elementos mais voláteis que são atmófilos, isto é, H, He, N e C. Os condritos CI possuem alteração aquosa de baixa temperatura ocorrida no planetesimal de origem, seu corpo parental, e esta alteração é muito acentuada tendo oxidado as fases metálicas de ferro-níquel para magnetita e pentlandita e os silicatos originais de alta tempertatura, olivinas e piroxênios, foram convertidos para serpentinas, argilominerais complexos e cloritas. Os condritos CI são brechas de regolito que não possuem côndrulos. Já os condritos CM possuem alguns côndrulos esparsos, o grau de alteração aquosa é menor do que os CI e eles representam brechas de regolito ou de impacto de baixa velocidade. 

AMOSTRA DO METEORITO ORGUEIL, CONDRITO CARBONÁCEO CI1, UMA BRECHA DE REGOLITO FRIÁVEL, RICA EM ÁGUA E MATÉRIA ORGÂNICA, DESPROVIDO DE CÔNDRULOS, COM COMPOSIÇÃO PRÓXIMA DA FOTOSFERA SOLAR.

GRANDE AMOSTRA COM 90% DE CROSTA DE FUSÃO DO METEORITO MURCHISON, CONDRITO CARBONÁCEO CM2, MENOS PRIMITIVO QUE ORGUEIL, MAS IGUALMENTE ABUNDANTE EM ÁGUA ESTRUTURAL E MATÉRIA ORGÂNICA, CONTENDO ESPARSOS CÔNDRULOS E CAIS PRESERVADOS.

Ambos esses condritos possuem uma matriz de granulação fina escura e friável composta majoritariamente de silicatos hidratados, serpentinas, argilominerais e cloritas, com quantidades variáveis de sulfetos tais como pentlandita e pirita, ferro oxidado na forma de magnetita e ilmenita, sulfatos e carbonatos de ferro e magnésio. Uma fração considerável da matriz dos condritos CI e CM consiste de carbono principalmente na forma de matéria orgânica. No Murchison ~ 5% de sua massa representa material carbonáceo. Dessa quantidade cerca de 75% consiste de matéria orgânica complexa insolúvel semelhante aos querogênios que dão origem ao petróleo biogênico. O restante consiste de compostos orgânicos solúveis em água ou solventes orgânicos. Um pequeno percentual da matriz desses condritos, menos de 1% em massa, consiste de grãos pré-solares tais como silicatos de origem interestelar como forsterita e enstatita, óxidos tais como óxido de alumínio, moissanita (carbeto de silício), nitreto de silício, grafita e nanodiamantes. Esses grãos variam de poucos micrômetros de tamanho até nanômetros. Esses grãos pré-solares cristalizaram em processos circunstelares em atmosferas de estrelas gigantes vermelhas e a partir do resfriamento de porções de gás quente expelidos em explosões de supernovas. 

Voltando aos compotos orgânicos presentes nesses condritos, analisando o condrito Murchison, os dois tipos de matéria orgânica foram separados e estudados no que diz respeito à estereoquímica e composição isotópica. A matéria orgânica presente nos condritos CI e CM ocorre em glóbulos e túbulos delicados ligados aos grãos de silicatos hidratados ou a silicatos de alta temperatura preservados que não passaram pela alteração aquosa. Parte dos compostos orgânicos têm origem interestelar, ou seja, são moléculas que estavam originalmente presentes na nebulosa solar e foram incorporados e preservados pelos planetesimais carbonáceos na fase de disco protoplanetário. Outra porção da matéria orgânica resulta de reações químicas ocorridas no corpo parental, no interior dos planetesimais carbonáceos, na presença de água de baixa temperatura e/ou radiação ultravioleta solar resultando em moléculas mais complexas, polímeros de baixo peso molecular e hidrocarbonetos diversos. A água se originou da fusão do gelo original acrecionado do disco protoplanetário, esse gelo derreteu absorvendo o calor do decaimento radioativo de isótopos de meia-vida curta, principalmente o alumínio-26.

DISTRIBUIÇÃO DA OCORRÊNCIA DOS COMPOSTOS ORGÂNICOS SOLÚVEIS DE ORIGEM  EXTRATERRESTRE ANALISADOS NO CONDRITO MURCHISON. ESTES SÃO ÁCIDOS CARBOXÍLICOS, ALDEÍDOS E CETONAS, AMINOÁCIDOS, HETEROCÍCLICOS NITROGENADOS, AMINAS E AMIDAS, ÁLCOÓIS, HIDROCARBONETOS ALIFÁTICOS, HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS E ÁCIDOS SULFÔNICOS.

Compostos Orgânicos Solúveis:

Essas são substâncias que puderam ser extraídas da matriz do meteorito Murchison com solventes orgânicos ou água purificada. São moléculas pequenas de substâncias orgânicas que também existem na Terra e outras exóticas que não estão presentes nos organismos vivos terrestres. As principais dessas moléculas foram hidrocarbonetos alifáticos de cadeia simples e ramificados com C3 até C30, hidrocarbonetos aromáticos monocíclicos e policíclicos pequenos tais como benzopireno, naftaleno, fenantreno, tolueno e benzeno, ácidos carboxílicos com C3 até C6, hidroxiácidos orgânicos, aminoácidos - sendo alguns destes com quantidades ligeiramente maiores de alfa-aminoácidos, álcoóis, cetonas, ésteres e bases nitrogenadas - purinas e pirimidinas, ácidos fosfônicos e ácidos sulfônicos. As substâncias solúveis mais abundantes no meteorito são os ácidos carboxílicos, provavelmente originados de reações de adição de cadeias carbônicas mais longas na fase de alteração aquosa do corpo parental. A maioria dessas moléculas são acreditadas terem sido sintetizadas por processos de síntese de Fischer-Tropsch que requer catálise heterogênea ou reações de Strecker para formar moléculas orgânicas nitrogenadas com núcleos de pirimidina e aminoácidos.

TABELA APRESENTANDO AS CONCENTRAÇÕES DOS COMPOSTOS ORGÂNICOS SOLÚVEIS DETECTADOS NO METEORITO MURCHISON.


A substância de início de montagem das moléculas de ácidos carboxílicos, onde os ácidos com maior número de carbonos são denominados ácidos graxos, é o formaldeído que pode reagir com radicais livres tais como monóxido de carbono excitado por radiação ultravioleta do meio interestelar para produzir ácido acético. O ácido acético pode ser convertido em hidroxiácidos ou ácidos graxos maiores. Hidrocarbonetos podem também reagir com monóxido de carbono interestelar para formar ácidos carboxílicos. Hidrocarbonetos aromáticos podem se originar da ciclização de hidrocarbonetos alifáticos com radicais livres ou ácidos carboxílicos através de reações de descarboxilação no corpo parental ou no meio interestelar. Os aminoácidos podem ser originários de sínteses abióticas como a síntese de Strecker onde moléculas de cianeto do meio interestelar podem ser oxidadas e adicionadas à esqueletos de moléculas de ácidos carboxílicos produzindo aminoácidos. As substâncias solúveis detectadas no meteorito Murchison incluem, por exemplo: Hidrocarbonetos alifáticos com até 30 átomos de carbono, hidrocarbonetos aromáticos (PAHs) com mínimo de 2 anéis benzênicos (naftaleno) até 8 anéis condensados (benzoperileno), hidroxiácidos, aminoácidos com 2 até 8 carbonos e contendo todos os possíveis isômeros estruturais e ópticos. A abundância dos aminoácidos em termos de isômeros é alfa > beta > gama, entre estes destacam-se glicina, ácido alfa-aminobutírico e alanina, onde cadeias ramificadas são mais abundantes do que cadeias normais. Bases nitrogenadas extraterrestres foram detectadas, entre estas a uracila e xantina. A xantina é um composto intermediário na síntese de purina, uma molécula com dois anéis carbônicos condensados contendo nitrogênio como heteroátomo. Essas bases nitrogenadas estão presentes nos polinucleotídeos biológicos, DNA e RNA. Outras moléculas detectadas foram glicerol (~ 15 ppm), ácido glicérico (8,5 ppm) e ácido sacarínico. 

Os aminoácidos presentes no Murchison possuem excesso de deutério em subsituição ao hidrogênio. A presença de deutério em excesso em relação ao hidrogênio leve revela processos interestelares e atesta a origem extraterrestre das moléculas. Outra assinatura de origem extraterrestre evidenciada nestas moléculas é o excesso de carbono-13 e de nitrogênio-15. Todas as moléculas orgânicas identificadas no Murchison possuem excessos dos isótopos estáveis pesados de hidrogênio, nitrogênio e carbono. Verificou-se que com o aumento do número de carbonos nas moléculas se diminuia o excesso de carbono-13 indicando reações orgânicas de adição em quase equilíbrio químico provavelmente ocorridas no meio interestelar. Alguns autores defendem que a maioria dessas moléculas teve origem em reações complexas envolvendo catálise em superfícies dos minerais silicáticos hidratados e talvez de metais oxidados no corpo parental enquanto água de baixa temperatura circulava pelo corpo parental carbonáceo. Outros defendem que os aminoácidos, por exemplo, teriam origem no meio interestelar devido à presença de moléculas de cianeto livre estarem presentes nas nebulosas e serem mais raras no interior do corpo parental onde rapidamente seriam oxidadas. Os aminoácidos são compostos que apresentam atividade óptica. 

ALGUNS DIAMINOÁCIDOS DETECTADOS POR ESPECTRÔMETRO DE MASSA EM AMOSTRAS DO METEORITO MURCHISON.

ALGUNS AMINOÁCIDOS EXÓTICOS DETECTADOS NO CONDRITO MURCHISON. AS POSIÇÕES MARCADAS COM ASTERISCOS NAS ESTRUTURAS DAS MOLÉCULAS INDICAM A POSIÇÃO DE CARBONOS QUIRAIS.

As moléculas que apresentam atividade óptica são denominadas de isômeros ópticos e representam moléculas que rotacionam a vibração da componente do campo elétrico da luz polarizada para esquerda (levógiras) ou para a direita (dextrógiras). Por exemplo, a alanina é um aminoácido que pode estar na configuração alfa (levógira) ou beta (dextrógira). As reações bioquímicas são estereoseletivas, isto é, são assimétricas e sempre dão origem a moléculas levógiras. Os aminoácidos biológicos, especialmente os proteinogênicos, aqueles que formam polipeptídeos, são todos alfa-aminoácidos. A alfa alanina é a imagem espelhada da molécula de beta alanina e vice-versa. Uma molécula não se justapõe a outra sendo imagens espelhadas. A esta propriedade se dá o nome de quiralidade e o carbono central da molécula com esta propriedade é chamado de carbono quiral. Processos biológicos geram moléculas com quiralidade levógira e processos abióticos não são seletivos e produzem iguais quantidades de moléculas com configuração alfa e beta. 

ISÔMEROS ÓPTICOS SÃO AQUELES CUJAS MOLÉCULAS EXISTEM EM DUAS DISTINTAS CONFIGURAÇÕES EM RELAÇÃO AO ÁTOMO DE CARBONO CENTRAL LIGADO A QUATRO GRUPOS DIFERENTES NA MOLÉCULA. AS DUAS ESTRUTURAS POSSÍVEIS SÃO IMAGENS ESPECULARES UMA DA OUTRA E NÃO SE SOBREPÕEM POR NENHUMA OPERAÇÃO DE SIMETRIA. O CARBONO CENTRAL DO ISÔMERO É CHAMADO DE CARBONO QUIRAL. OS AMINOÁCIDOS SÃO EXEMPLOS DE COMPOSTOS QUIRAIS. AS FORMAS DE VIDA UTILIZAM MOLÉCULAS LEVÓGIRAS, COM ATIVIDADE ÓPTICA QUE ROTACIONA LUZ POLARIZADA PARA ESQUERDA.

Amostras com 50:50 de composição de moléculas dextrógiras e levógiras são chamadas de misturas racêmicas e não apresentam atividade óptica. As amostras de aminoácidos presentes no Murchison apresentam leve atividade óptica levógira, embora estejam bem próximas de serem racematos. Aminoácidos de origem biogênica que estão em equilíbrio com o sistema químico externo pode sofrer inversão e se tornar um racemato ainda que preservando um leve desvio levógiro. O porquê desse pequeno desvio na quantidade de alfa-aminoácidos é ainda um mistério. Uma das explicações dadas é devido à conversão de moléculas com configuração alfa através de luz polarizada ultravioleta produzida por grãos interestelares na nuvem molecular, ou rotação óptica através de campos magnéticos gerados por estrelas de nêutrons - pulsares. Uma possibilidade não muito explorada pelos pesquisadores seria a provável assinatura de vida extraterrestre que pode estar representada por esta assimetria nos aminoácidos.

Compostos Orgânicos Insolúveis:

Representam até 75% da matéria orgânica dos condritos CM e 98% nos condritos CI. Eles consistem de macromoléculas complexas tipo querogênio que apresentam em sua estrutura até 100 átomos de carbono e são insolúveis em solventes orgânicos. Essas substâncias se organizam em glóbulos ocos e maciços orgânicos que se apresentam aderidos aos grãos de silicatos na matriz desses condritos. As maneiras de se avaliar a composição dessas moléculas é através de pirólise seguida de análise por cromatografia gasosa ou espectrometria de massa ou através de análise de espectrometria do infravermelho, a espectrometria Raman. No caso da pirólise o querogênio extraterrestre é extraído por dissolução em ácidos fortes tais como ácido clorídrico e ácido fluorídrico, que dissolvem todas as fases silicáticas, óxidos e fases metálicas, deixando para trás os glóbulos de matéria orgânica. Depois a matéria orgânica é decomposta por aquecimento em ambiente anóxico para não haver queima e destruição total das moléculas. Com a pirólise o querogênio é decomposto em moléculas menores que podem ser analisadas na fase gasosa tanto por cromatografia quanto por espectrometria de massa. Dados do espectrômetro de massa mostram que mais de 40% da estrutura das macromoléculas orgânicas são anéis aromáticos e o restante consistindo de aneis de piridina (nitrogênio diretamente ligado no anel benzênico substituindo um átomo de carbono na molécula) e tiofeno (enxofre ligado em um anel de quatro átomos de carbono). Ligados aos aneis aromáticos estão cadeias de hidrocarbonetos alifáticos, mas as cadeias são curtas e muito ramificadas. 

EXEMPLO DE IDENTIFICAÇÃO DE COMPOSTOS LIBERADOS DA PIRÓLISE DE MATÉRIA ORGÂNICA EXTRATERRESTRE INSOLÚVEL. O ESPECTRÔMETRO DE MASSA DISTINGUIU UMA ABUNDÂNCIA DE ANEIS AROMÁTICOS DIVERSOS.

EXEMPLO DE ESTRUTURA DE UMA MACROMOLÉCULA QUE COMPÕE A MATÉRIA ORGÂNICA INSOLÚVEL NOS METEORITOS. OBSERVAR A ABUNDÂNCIA DE ANEIS AROMÁTICOS. AS LETRAS "R" INDICAM CADEIAS DE HIDROCARBONETOS DIVERSOS LIGADOS AOS ANEIS BENZÊNICOS. NORMALMENTE OS GRUPOS "R" SÃO HIDROCARBONETOS ALIFÁTICOS DE CADEIA RAMIFICADA.

Em algumas amostras da matéria orgânica insolúvel foram encontrados radicais livres preservados de aldeídos e nitrilas, esses sendo considerados moléculas reliquiares do meio interestelar que ficaram preservadas das modificações do disco protoplanetário por estarem abrigadas no interior das macromoléculas orgânicas. As análises revelam uma fórmula molecular desses querogênios sendo C100H60O18N3S2 para o Murchison e C100H67O18N3S3 para o Orgueil. Essa matéria orgânica insolúvel também é encontrada em outros grupos de condritos carbonáceos com menor grau de alteração metamórfica e aquosa tal como os condritos CR. O querogênio é o nome que se dá a moléculas orgânicas com grande número de carbonos, acima de 100 átomos de carbono, que são praticamente insolúveis em solventes orgânicos e possuem alto percentual de carbono em relação a outros elementos. Geralmente essas substâncias são hidrocarbonetos aromáticos ligados a cadeias de hidrocarbonetos alifáticos e contendo também vários aneis de hidrocarbonetos alifáticos com subsituição de nitrogênio, oxigênio e enxofre. Estas substâncias são consideradas os originadores do petróleo na Terra. Quando a matéria orgânica biológica de origem marinha, especialmente a biomassa de fitoplâncton e zooplâncton, é depositada junto a sedimentos finos em condições anóxicas, processos de diagênese começam a transformar os carboidratos e lipídios (que representam grande percentual da massa do plâncton) em hidrocarbonetos complexos em cadeias muito longas. 

A polimerização por reações geoquímicas acontece durante o período de diagênese e litificação das rochas sedimentares. Geralmente as rochas sedimentares que contêm a matéria orgânica concentrada, as chamadas rochas geradoras, são folhelhos carbonosos também chamados de folhelhos pirobetuminosos. O termo xisto é utilizado com frequência, mas é cientificamente incorreto. O termo xisto em geologia se aplica a rochas metamórficas contendo foliação e ricas em micas. As rochas sedimentares geradoras de petróelo são denominadas folhelhos e não xistos. O processo de transformação das moléculas biológicas de carboidratos e lipídios em querogênio é chamado de metagênese. A metagênese representa o enriquecimento das moléculas em carbono havendo perda de voláteis que não o carbono tais como nitrogênio, oxigênio e enxofre. Elementos tais como fósforo e metais são extraídos para a fase aquosa e comporão minerais autigênicos na rocha sedimentar. 

A metagênese transforma a matéria biológica em querogênio a temperaturas não muito superiores que 70ºC. O processo de quebra do querogênio em moléculas de hidrocarbonetos menores é chamado de catagênese e se dá a profundidades de até 5 km na rocha sedimentar geradora e a temperaturas de até 200ºC. Acima de 300ºC nestas condições de pressão de soterramento os hidrocarbonetos são decompostos em carbono amorfo ou grafita e água ou gás hidrogênio dependendo da fugacidade de oxigênio dos sedimentos compactados. O processo de catagênese é o que converte o querogênio na mistura complexa de hidrocarbonetos, por decomposição térmica do mesmo. Em essência a catagênese é a pirólise natural dos querogênios na rocha sedimentar geradora. Esse mesmo material de querogênio, não exatamente de mesma natureza é claro, existe nos meteoritos. Esse querogênio extraterrestre é acreditado ter se formado em processos termais ocorridos no interior do corpo parental carbonáceo. Uma grande reserva de querogênio deve existir no planeta anão Ceres que é feito de material condrítico carbonáceo e pode conter em seu interior querogênios e grande percentual dessa matéria orgânica macromolecular extraterrestre pode ter sofrido catagênese e se convertido em petróleo. Sendo assim, pode existir grandes reservas de petróleo e gás natural nos regolitos de Ceres. Outros asteroides gigantes carbonáceos como Matilde também podem abrigar grandes quantidades de querogênio. 

O PLANETA MENOR CERES, FOTOGRAFADO PELA SONDA DAWN DA NASA. CERES É COMPOSTO DE CONDRITOS CARBONÁCEOS PRIMITIVOS. É POSSÍVEL EXISTIR RESERVAS DE QUEROGÊNIO EXTRATERRESTRE NO REGOLITO DE CERES E TALVEZ ESSA MATÉRIA ORGÂNICA POSSA TER SE CONVERTIDO PARCIALMENTE EM PETRÓLEO PELO CALOR PRIMORDIAL INTERNO DO PLANETA MENOR.

Segundo a hipótese do astrofísico Thomas Gold é possível que a Terra tenha sido acrecionada de forma não tão violenta e os planetesimais se aglutinaram mais suavemente formando a prototerra. Então o interior da prototerra foi aquecido e metamorfizado, mas não ao ponto de ser completamente fundido. Ocorreu então fusão parcial das regiões que hoje compreendem o manto litosférico. Os líquidos magmáticos foram extraídos para a superfície formando a primeira crosta terrestre através de um oceano magmático. Algumas evidências existem na Lua de que corpos de dimensões planetárias desenvolvem um oceano de magma que depois se diferencia para formar as crostas planetárias. Mas o oceano de magma não significa que todo o protoplaneta se fundiu por completo. Sendo assim, existiria uma probabilidade do material carbonáceo acrecionado ser preservado no interior da Terra. A matéria orgânica extraterrestre contida nos asteroides carbonáceos, principalmente esses querogênios, teria se armazenado no manto e formado reservatórios de potenciais hidrocarbonetos. Na visão de Gold os hidrocarbonetos seriam de origem primordial. Dados termodinâmicos mostram que os hidrocarbonetos são estáveis acima de 300 ºC em condições de pressão equivalentes a profundidades variando de 10 km até 300 km, o que corresponde a boa parte do manto superior. Além disso, Gold defende a síntese abiótica direta no manto através da reação entre carbono elementar, óxido de ferro dos minerais e água estrutural gerando hidrocarbonetos diversos. 

Outra via de síntese diferente, dependendo do estado de oxidação local no manto inferior, seria a reação entre carbonato, ferro elementar e hidrogênio para formar os hidrocarbonetos. Uma vez formados os hidrocarbonetos migram como líquidos magmáticos através de fraturamento tectônico para se alojar em rochas porosas tais como as sedimentares. Gold menciona a ocorrência de hidrocarbonetos no poço profundo de Kola, na Rússia e presença de petróleo em rochas pré-Cambrianas na África do Sul sem nenhum tipo de rocha sedimentar geradora adjacente. Outro argumento para o petróleo abiogênico é a presença de hidrocarbonetos complexos em inclusões fluidas em diamantes e outros minerais trazidos por magmas kimberlíticos. Ainda outro argumento se diz respeito a reservas de gás natural que contêm quantidades enormes de gás hélio. Argumentos da teoria do petróleo biótico falam que o hélio-4 no gás natural é derivado do decaimento radioativo de urânio e tório das rochas encaixantes. No entanto, Gold menciona depósitos de gás natural cujo hélio apresenta concentrações elevadas do isótopo cosmogênico hélio-3 e esse isótopo tem origem primordial não sendo resultante de decaimento radioativo. Magmas profundos muitas vezes trazem quantidades apreciáveis de grafita e essa pode ter sido resultado da decomposição de hidrocarbonetos primordiais trazidos pelos magmas.

COMPOSIÇÃO DE INCLUSÕES FLUIDAS EXTRAÍDAS DE UM DIAMANTE E DE UMA INCLUSÃO DE GRANADA NO DIAMANTE MOSTRANDO ABUNDÂNCIA DE HIDROCARBONETOS COMPLEXOS, ORIUNDOS DO MANTO. IMAGEM DO ARTIGO: Sobolev, N. V. et al. (2019) Composition of Hydrocarbons in Diamonds, Garnet, and Olivine from Diamondiferous Peridotites from the Udachnaya Pipe in Yakutia, Russia. Engineering, Vol. 5, No. 3, pp. 471 - 478

Existem depósitos de gás natural no Chile associados à zona de subdução dos Andes que apresenta metano com assinatura isotópica anômala e ali foi confirmado se tratar de metano abiogênico de origem mantélica. Sem muitas delongas sobre a teoria do petróleo abiogênico, verifica-se que a realidade é muito mais complexa e diversificada, sendo os problemas reais mais difíceis de se solucionar se tivermos uma única visão das circunstâncias, um único modelo científico ou uma única hipótese ou teoria. Precisamos manter nossas mentes abertas para enxergar novas soluções para novos e antigos problemas. A presença de matéria orgânica em abundância nos materiais extraterrestres nos mostram o grande leque de possibilidades que as formas de vida primordiais tiveram para se adaptar aos sistemas planetários e de se multiplicar em ambientes extremos. A existência de matéria orgânica extraterrestre representa um capítulo fundamental na história da compreensão da origem da vida. Se a vida veio do espaço ou se surgiu na Terra de forma espontânea, uma coisa é mais do que certa, as moléculas orgânicas extraterrestres devem ter tido um papel fundamental na química pré-biótica que levou à bioquímica propriamente dita. O que é certo de evidências geológicas é que os hidrocarbonetos podem ter se originado de duas fontes sem nenhum problema, uma pequena parte pode ter vindo do manto, representando reservatório de carbono primordial, e uma grande parte veio da transformação geoquímica de matéria orgânica de origem marinha nas rochas sedimentares. O que se pode aprender disso tudo é que o Universo é extremamente versátil e prático e a síntese de matéria orgânica não foge a esta versatilidade permitindo às leis da física e da química produzir moléculas orgânicas complexas tanto por vias biótica como por vias abióticas e os organismos vivos talvez sejam consequência inevitável da relação entre o "reino mineral" e o "reino vivo".

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