O Meteorito Tagish Lake - Um Condrito Carbonáceo Singular

UM DOS PRINCIPAIS FRAGMENTOS INDIVIDUAIS DO METEORITO TAGISH LAKE.

No ano de 2000, no dia 18 de janeiro, um bólido assustador rasga o céu do Alaska, sendo visto no território de Yukon e da Colúmbia Britânica. Ele explode no ar e os fragmentos caem no lago congelado Tagish próximo a uma região de montanhas geladas na Colúmbia Britânica. O bólido deixou um rastro tal que ficou uma fumaça de poeira cósmica em forma de nuvem filamentosa no céu. Várias estações de monitoramento detectam a bola de fogo, sensores ópticos e de infravermelho detectam a luz do bólido, enquanto sismógrafos detectam as ondas de vibração atmosférica geradas pelo bólido. O meteorito se fragmentou a 30 km de altitude, onde a velocidade terminal foi atingida por volta de 28 km de altitude. A massa que permaneceu após isto foi calculada em torno de 2,3 toneladas, mais de 97% da massa do meteoroide original foi vaporizada na entrada atmosférica. Os fragmentos de meteorito caíram no lago congelado Tagish no Canadá e ficaram presos na camada de gelo onde foram coletados com ferramentas pelos pesquisadores junto de blocos de gelo.

Cientistas e pesquisadores conseguiram recuperar cerca de 900g de material, o meteorito Tagish Lake, como ficou conhecido, é um condrito carbonáceo de tipo petrológico 2 e sem classificação, agrupado como C2. O meteoróide foi estimado como tendo 10 m de diâmetro médio. O meteorito foi levado ao laboratório onde se mantém conservado no frio para não contaminá-lo com os micróbios e o ar do nosso planeta. No meteorito foram encontradas moléculas orgânicas com assinatura isotópica de nitrogênio enriquecida em nitrogênio-15, demonstrando a origem extraterrestre destas moléculas. Uma das substâncias orgânicas mais interessantes encontradas nesse meteorito foram aminoácidos, os blocos de construção das proteínas para todas as formas de vida na Terra. Estas moléculas orgânicas só poderiam ter sido preservadas em um ambiente de baixa temperatura e tudo indica que muitas se preservam desde o início da acreção planetesimal no disco protoplanetário. Os cientistas concluíram junto a dados de datação radiométrica de inclusões refratárias no meteorito que seu corpo parental foi formado na nuvem primordial do Sistema Solar talvez alguns milhões de anos antes da acreção planetária, na época da formação dos côndrulos e CAIs. Com isso, os pesquisadores concluíram que o meteorito Tagish Lake é uma das rochas mais antigas do Sistema Solar.

TRILHA DE FUMAÇA DEIXADA PELO BÓLIDO DO METEORITO TAGISH LAKE, VISUALIZADO NO CÉU DO ALASKA, REGIÃO DE YUKON E COLÚMBIA BRITÂNICA.

FOTOGRAFIA DO FRAGMENTO PRINCIPAL DO METEORITO TAGISH LAKE, MOSTRANDO SEU INTERIOR COM UMA MATRIZ ESCURA FINA E ALGUNS CÔNDRULOS COMO MANCHAS BRANCAS E SUA CROSTA DE FUSÃO DE COR CINZA GRAFITE.

Estudos aprofundados deste meteorito mostram que sua composição está entre os condritos CI e CM. Devido ao testemunho de seu bólido, sua trajetória permitiu o cálculo de sua órbita e, consequentemente, de sua origem no cinturão principal de asteroides. Os cálculos mostram que ele se originou das bordas externas do cinturão principal, na região mais fria do cinturão onde existe uma grande população de asteroides carbonáceos, ricos em água, de classes espectrais C, P e D. Estes mesmos asteroides são a fonte dos condritos carbonáceos CI e CM. Este é um novo tipo de meteorito primitivo, um condrito carbonáceo de composição isotópica e química intermediária entre os condritos carbonáceos CI e CM. O asteroide parental do Tagish Lake teve de sofrer colisão com algum outro asteroide para ter sua órbita desviada e então ter sua trajetória modificada pelo campo gravitacional de Júpiter para ingressar em direção à Terra.

DIAGRAMA DA ÓRBITA CALCULADA DO TAGISH LAKE. OBSERVAR A FORMA ELÍPTICA DA ÓRBITA E SUA ORIGEM NAS BORDAS EXTERNAS DO CINTURÃO PRINCIPAL DE ASTEROIDES, INDICANDO UM ASTEROIDE DE CLASSE ESPECTRAL M E C, TÍPICOS ASTEROIDES RICOS EM CARBONO E ÁGUA.


Para entender um pouco mais sobre a classificação do Tagish Lake, vamos entender melhor o sistema de classificação dos condritos. Basicamente os condritos são divididos em classes, os ordinários, carbonáceos, enstatitos, rumurutitos e kakangari. Os condritos ordinários possuem a mesma composição química do Sol com respeito aos elementos químicos litófilos não voláteis como Ca, Mg, Fe, Ni, Sr, Ba, Si, O e S. Esses meteoritos são os mais comuns, pois representam a população predominante de asteroides. Os condritos ordinários são divididos em grupos químicos, de acordo com o teor de ferro total, em grupos L, LL e H. Os condritos ordinários primitivos, ou seja, aqueles que possuem a textura original da época de acreção de matéria no disco protoplanetário, são colocados como tipo petrológico 3. Os tipos petrológicos indicam o grau de alteração dos condritos, o grau de metamorfismo termal dos condritos, a extensão em que a matriz e os côndrulos originais foram recristalizados, vai do menor grau 3.1 - 3.9, tipo 4 até 6. Alguns pesquisadores consideram o tipo 7 em que a textura condrítica foi quase completamente substituído por uma rocha totalmente recristalizada do grupo dos acondritos primitivos lodranitos-acapulcoítos. O tipo petrológico 3 representa um condrito desequilibrado, isto é, este é essencialmente uma rocha sedimentar formada no espaço interplanetário pela aglutinação de côndrulos e partículas silicáticas finas que formaram uma matriz fina e amorfa que sustenta os côndrulos que são bolinhas de minerais formados a partir de cristalização ígnea cuja fonte de calor provável foram as ondas de choque térmicas do Sol recém formado no disco protoplanetário. 

Não vamos entrar aqui na complexa questão da origem dos côndrulos, mas simplesmente consideremos que um condrito primitivo é uma rocha formada de côndrulos sustentados por uma matriz fina que era originalmente poeira mineral protoplanetária. Condritos de tipo petrológico 4 até 6 possuem grau de recristalização crescente, em que a matriz é recristalizada com a formação de grandes cristais de olivina e piroxênio e conversão da matriz fina vítrea em plagioclásio sódico e potássico. Essas transformações no estado sólido, isto é, metamorfismo termal, faz destes condritos serem termodinamicamente equilibrados, isto é, os minerais estão em equilíbrio químico entre si. A fonte de calor que gerou metamorfismo termal nos condritos no corpo parental destes foi provavelmente o decaimento radioativo de isótopos de meia-vida curta, principalmente o alumínio-26. A ênfase no isótopo alumínio-26 existe na cosmoquímica devido a evidências de excesso de magnésio-26 em minerais de alta temperatura nas inclusões cálcio-aluminosas (as CAIs) e côndrulos de condritos primitivos. Esse excesso veio do decaimento do alumínio-26 que nos primeiros 16 milhões de anos do Sistema Solar pôde gerar calor suficiente para gerar asteroides com seu conteúdo interno metamorfizado e até mesmo diferenciado em crosta, manto e núcleo, dependendo apenas da massa do asteroide.

TEXTURA DO CONDRITO PRIMITIVO SEMARKONA (L3), A TEXTURA ORIGINAL DE UM CONDRITO QUE NÃO PASSOU POR METAMORFISMO TERMAL, REVELANDO OS CÔNDRULOS, ESFÉRULAS DE PIROXÊNIO E OLIVINAS, MATERIAL ÍGNEO DE ORIGEM PROTOPLANETÁRIA SUSTENTADOS POR UMA MATRIZ FINA, DE NATUREZA AMORFA, CRIPTOCRISTALINA E VÍTREA. A MATRIZ É RESULTANTE DA AGLUTINAÇÃO DE POEIRA PROTOPLANETÁRIA PROCESSADA POR EVENTOS TERMAIS.

FATIA POLIDA DO CONDRITO CARBONÁCEO ALLENDE (CV3) EVIDENCIANDO A MATRIZ MODIFICADA POR ALTERAÇÃO DE BAIXA TEMPERATURA E POUCO METAMORFISMO TERMAL SUSTENTANDO CÔNDRULOS E CAIs.

Os condritos carbonáceos são separados em diversos grupos químicos, lembrando que grupos químicos significam diferentes corpos parentais. Um grupo químico representa um tipo de asteroide, que por sua vez representa uma região distinta do disco protoplanetário onde ocorreu aglutinação de matéria sólida. Os grupos dos condritos carbonáceos recebem abreviações a partir de nomes de condritos carbonáceos previamente classificados. A definição formal de condrito carbonáceo é todo meteorito que possui composição química semelhante à composição solar dos elementos químicos litófilos refratários, de alguns elementos químicos ditos voláteis como C, Tl, Bi, Pb, mas que apresentam teores de cálcio e alumínio superiores aos teores encontrados nos demais condritos. Todos os condritos carbonáceos apresentam alteração aquosa em menor ou maior grau, com os minerais da matriz oxidados para magnetita, serpentinas, cloritas, com a presença de minerais hidratados em maior ou menor grau. Condritos carbonáceos metamorfizados são encontrados até o tipo petrológico 4, estes foram provavelmente alterados por metamorfismo e água em baixas temperaturas. O grau de recristalização da matriz destes condritos produziu no máximo minerais hidratados como cloritas e oxidados como magnetita, pentlandita e pirrotita. Os grupos dos condritos carbonáceos são: CI, CM, CO, CK, CR, CB e CV. Os condritos CK são encontrados com tipo petrológico 4. Os condritos CI e CM são os que possuem maior grau de alteração aquosa de baixa temperatura e não apresentam indícios de metamorfismo termal. O tipo petrológico 1 é o maior grau de alteração aquosa, onde não existe côndrulos, apenas uma matriz brechada e alterada para serpentinas, cloritas e magnetita, com veios de carbonatos de ferro e magnésio, presença de algumas inclusões refratárias como CAIs de pequenas dimensões. O tipo petrológico 2 é caracterizado por alteração aquosa de menor grau, presença de côndrulos pequenos e dispersos e CAIs. Os condritos CI e CM possuem os maiores teores percentuais em massa de água e carbono. A água está nas fases minerais hidratadas e o carbono encontra-se na forma de matéria carbonácea amorfa, grafita, carbetos e moléculas orgânicas. Os condritos carbonáceos CI e CM, os mais estudados, são os meteoritos Orgueil e Murchison, respectivamente.
LÂMINA DELGADA AO MICROSCÓPIO PETROGRÁFICO DO METEORITO MURCHISON, CONDRITO CARBONÁCEO CM2, EVIDENCIANDO A PREDOMINÂNCIA DE MATRIZ CRIPTOCRISTALINA DE ALTERAÇÃO AQUOSA DE BAIXA TEMPERATURA SUSTENTANDO ALGUNS CÔNDRULOS COM OLIVINAS E PIROXÊNIOS PRESERVADOS E ALGUNS CÔNDRULOS ALTERADOS PARA SERPENTINAS E CLORITAS.

Os condritos enstatitos são caracterizados por corpos parentais formados em regiões do disco protoplanetário com baixa oxidação, isto é, em um ambiente muito redutor, o que produziu minerais pobres em ferro e ricos em magnésio na forma do piroxênio enstatita e as olivinas são forsteritas, mais ricas em magnésio. Quase todo o ferro nos condritos enstatitos está presente nas fases metálicas formando a liga de ferro-níquel. Minerais exóticos são encontrados nestes meteoritos tais como a oldhamita, o sulfeto de cálcio, um mineral possível de existir apenas em um ambiente extremamente redutor. Os condritos rumurutitos representam um pequeno grupo químico de condritos que provêm de asteroides peculiares, são geralmente brechas de regolito de asteroides condríticos pobres em ferro metálico. Ao contrário dos enstatitos, os rumurutitos se formaram em um ambiente oxidante, em regiões de maior oxidação no disco protoplanetário. Os condritos kakangari constituem outro pequeno grupo de meteoritos que têm a textura e estrutura semelhante aos condritos ordinários, com respeito principalmente à química dos elementos litófilos refratários, mas possuem distribuição isotópica de oxigênio semelhante aos condritos carbonáceos sem alteração aquosa acentuada.

Revisando a classificação dos condritos, podemos compreender melhor a petrologia do condrito Tagish Lake e porque ele é uma rocha peculiar. O estudo realizado pelo pesquisador Michael Zolensky mostra que esse meteorito é composto de duas litologias distintas. Em meteorítica, mas não muito em geologia, quando os meteoritos apresentam diferentes clastos ligados numa mesma rocha, estes diferentes fragmentos de rocha são denominados de litologias. Um meteorito brechado geralmente é separado em litologias e cada uma é estudada à parte como uma rocha diferente, mesmo fazendo parte da mesma rocha. No Tagish Lake existe uma litologia abundante em carbonatos em contato com uma litologia pobre em carbonatos. Ambas as litologias apresentam alteração aquosa de baixa temperatura com grãos pseudomórficos que originalmente eram minerais de alta temperatura, olivinas e piroxênios. No entanto, alguns minerais reliquiares de alta temperatura foram encontrados preservados. Devido à presença de minerais de alta temperatura preservados, ou reliquiares, o meteorito foi colocado no tipo petrológico 2, onde existe alteração de baixa temperatura de menor grau. Além disso, muitos côndrulos se apresentavam com suas mineralogias originais, não apresentavam alteração de baixa temperatura, o que não condiz com condritos CM2 ou mesmo CR2, conforme mostra o artigo científico original. Os cientistas também perceberam que o meteorito tem uma densidade menor do que de outros condritos. Este meteorito se revelava com características de um condrito CI onde não há côndrulos, abundância de matriz alterada por processos de baixa temperatura, mas também tinha características de um condrito CM com a presença de côndrulos, mas muitos destes côndrulos não apresentavam alteração, estavam preservados. 

IMAGEM DE ELÉTRONS RETROESPALHADOS AO MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE VARREDURA DA LITOLOGIA POBRE EM CARBONATOS NO METEORITO TAGISH LAKE, MOSTRANDO A PRESENÇA DE FASES MINERAIS DE ALTA TEMPERATURA, OLIVINAS E PIROXÊNIOS, PRESERVADOS EM MEIO À MATRIZ ALTERADA.

Embora o condrito tivesse sido colocado no tipo petrológico 2, seu agrupamento dependia da composição química de rocha total e da assinatura de isótopos estáveis de oxigênio. Abrindo um parênteses aqui, os isótopos estáveis de oxigênio, oxigênio-18, oxigênio-17 e oxigênio-16, apresentam-se em diferentes proporções para diferentes tipos de fontes geoquímicas das rochas. Por exemplo, as rochas terrestres todas têm assinaturas de fracionamento isotópico de oxigênio que caem numa mesma reta chamada Reta de Fracionamento Terrestre (em inglês a sigla TFL). As rochas lunares plotam na mesma reta TFL, indicando que a Lua tem a mesma origem que a Terra. No entanto, os meteoritos são agrupados em outros campos neste gráfico onde Delta(oxigênio-17) versus Delta(oxigênio-18) geram campos diferentes onde plotam meteoritos que têm origem semelhante. Por exemplo, os acondritos marcianos todos plotam em um mesmo campo neste gráfico, os côndrulos e CAIs plotam em uma reta própria dos CCAM (Carbonaceous Chondrite Anhydrous Minerals) e assim por diante. Aqui, Delta é uma fórmula que relaciona a razão isotópica numa amostra com a razão isotópica medida para um padrão geoquímico. No caso do oxigênio o padrão isotópico é denominado SMOW (Standard Mean Ocean Water), ou padrão médio da água do mar, a razão isotópica de oxigênio medida para a água do mar. Com base nisso, as amostras de meteoritos têm suas razões isotópicas O18/O16 e O17/O16 medidas em espectrômetros de massa. Depois o "delta" é calculado, onde o DeltaO18 = ([O18/O16]amostra - [O18/O16]SMOW)/[O18/O16]SMOW e o DeltaO17 = ([O17/O16]amostra - [O17/O16]SMOW)/[O17/O16]SMOW. Com base nas amostragens de inúmeros meteoritos, demonstrou-se o paradígma de que a nebulosa solar não foi homogeneizada isotopicamente, pelo menos não para o elemento oxigênio. Por isso cada diferente corpo parental que representa um diferente tipo de meteorito apresenta diferente razão isotópica de oxigênio.

As análises de isótopos estáveis de oxigênio para o Tagish Lake revelaram uma composição semelhante aos condritos CI, mas não plotava em nenhum campo específico dos condritos carbonáceos, revelando um novo tipo de reservatório geoquímico, ou seja, um novo tipo de asteroide parental. Em cosmoquímica a formação das fases minerais no disco protoplanetário se deu por intermédio da condensação a partir do plasma da nebulosa solar, considerado com a composição original da atmosfera solar. Esta composição é chamada de SAD (Standard Average Distribution) ou distribuição padrão média, a composição solar dos elementos químicos. Os primeiros minerais a condensarem foram os de mais alta temperatura, espinélios de cálcio, alumínio, titânio e magnésio. Depois condensaram óxidos refratários como coríndon, óxido de alumínio. Depois condensaram plagioclásios anortíticos, isto tudo numa faixa de temperatura < 1200 K. Abaixo disso condensam os silicatos de alta temperatura, olivinas e piroxênios, então condensa-se a liga de ferro-níquel, depois os sulfetos como a troilita. Abaixo da troilita, além da linha de congelamento no disco protoplanetário condensaram os gelos de água, amônia, metano e por último gelos de nitrogênio. 

DIAGRAMA DAS TEMPERATURAS DE CONDENSAÇÃO VERSUS FRAÇÃO DE FASES MINERAIS CONDENSADAS A PARTIR DA NEBULOSA DE COMPOSIÇÃO SOLAR EM EQUILÍBRIO QUÍMICO COM AS FASES MINERAIS. OS CONDRITOS CARBONÁCEOS SEGUEM ESTE TREND DE CONDENSAÇÃO COSMOQUÍMICA DOS ELEMENTOS SEM FRACIONAMENTO DO COMPORTAMENTO GEOQUÍMICO DOS MESMOS, ALGO QUE NÃO É OBSERVADO PARA OS CONDRITOS ORDINÁRIOS, POR EXEMPLO.

Hidrogênio e hélio nunca condensam permanecendo na fase gasosa. Esta gradação de formação de matéria sólida é calculada para o equilíbrio entre o sólido e o gás da nebulosa solar. Os condritos possuem certo fracionamento dos elementos químicos, onde os mais voláteis como Na, K, Mn e Pb se condensam em fases últimas e os refratários como Ti, Ca, Mg e Al condensam nas primeiras fases minerais. No entanto, nos condritos carbonáceos primitivos, os CI e CM, não existe fracionamento geoquímico com respeito à volatilidade dos elementos. A condensação se dá controlada unicamente pela diminuição da temperatura. O Tagish Lake apresenta padrão de condensação dos elementos semelhante aos condritos CI para temperaturas entre 1800 K e 1200 K e semelhante aos condritos CM para temperaturas entre 1200 K e 200 K. Este padrão dúbio revela um novo tipo de corpo parental condrítico primitivo, apresentando a mesma composição da nebulosa solar, exceto com respeito à distribuição dos elementos voláteis como H, N e He. Analisando todos estes dados e conectando isto com a informação da órbita do asteroide parental do Tagish Lake concluí-se que este meteorito representa matéria protoplanetária mais primordial do que os próprios condritos CI e CM, oriundo de uma região ainda mais distante no cinturão de asteroides.

GRÁFICO DAS ABUNDÂNCIAS DOS ELEMENTOS QUÍMICOS NO METEORITO TAGISH LAKE EM COMPARAÇÃO À COMPOSIÇÃO NÃO FRACIONADA DOS CONDRITOS CI E CM MOSTRANDO UM TREND DE COMPOSIÇÃO QUE ESTÁ ENTRE AS ABUNDÂNCIAS DOS CONDRITOS CI E CM, REVELANDO UM NOVO TIPO DE ASTEROIDE PARENTAL PARA ESTE CONDRITO CARBONÁCEO.

Dados adicionais relevantes são a confirmação da presença de grãos interestelares, matéria pré-solar, formada em explosões de supernova tipo II, quando estrelas gigantes explodem ao cessar suas reações termonucleares. Foram encontrados na matriz desse condrito nanodiamantes, a quantidade deles é superior a de outros condritos carbonáceos como o Allende, que contém significativa quantidade de nanodiamantes pré-solares. Estes grãos nanométricos são partículas mais antigas que o Sistema Solar, que vagaram no meio interestelar compondo a nebulosa primordial. Além disso, como citado no início deste artigo, moléculas orgânicas foram detectadas, principalmente aminoácidos e hidrocarbonetos. Esta matéria orgânica pode ter sido originalmente acrecionada do meio interestelar ou pode ser produto de alteração no interior do asteroide parental. Dados isotópicos de hidrogênio e nitrogênio demonstram que as moléculas orgânicas no meteorito foram geradas em extremas temperaturas baixas de 20 K, condizentes com as nuvens moleculares gigantes. Isto quer dizer que as moléculas orgânicas neste meteorito foram formadas na própria nebulosa solar, antes da formação do disco protoplanetário. Grande parte destas moléculas orgânicas estão organizadas em estruturas diferenciadas, glóbulos de matéria orgânica na matriz do meteorito. Estes glóbulos foram interpretados pelos pesquisadores como matéria orgânica prébiótica com certo nível avançado do organização espontânea. Tais materiais podem ter sido trazidos para a Terra na era dos impactos cósmicos do bombardeamento pesado tardio, onde meteoritos como o Tagish Lake, caíram aos bilhões na superfície da Terra trazendo água e matéria orgânica prébiótica, ingredientes necessários para o desenvolvimento da vida. Análises preliminares do conteúdo de carbono do condrito Tagish Lake mostram que 2,6% da massa do meteorito consiste em material carbonáceo, e grande parte desse carbono está na forma de matéria orgânica extraterrestre.

IMAGEM DO TELESCÓPIO HUBBLE DOS "PILARES DA CRIAÇÃO" NA NEBULOSA M16, A NEBULOSA DA ÁGUIA. ESTAS ESTRUTURAS SÃO NUVENS MOLECULARES, REGIÕES DENSAS DE FORMAÇÃO ESTELAR. A POEIRA INTERESTELAR ESCURA CONSISTE DE PARTÍCULAS DE SILICATOS, GRÃOS FORMADOS EM ATMOSFERAS ESTELARES E SUPERNOVAS, E MUITAS DAS PARTÍCULAS SÃO DE NATUREZA CARBONÁCEA, AQUI MOLÉCULAS ORGÂNICAS INTERESTELARES SÃO DETECTADAS. MATERIAL COMO ESTE FOI INCORPORADO EM CONDRITOS CARBONÁCEOS COMO O TAGISH LAKE.

O trabalho de Nakamura-Messenger consistiu em amostrar as pequenas estruturas globulares de matéria orgânica da matriz do condrito, envolvê-las em enxofre elementar, então cortá-las num ultramicrótomo para obter fatias com menos de 10 nanômetros de espessura e colocá-las no microscópio eletrônico de transmissão e varredura onde o enxofre é vaporizado no vácuo deixando para trás as estruturas nanométricas intactas para análise e imageamento. As estruturas que se revelaram foram inúmeros glóbulos orgânicos ocos. Os glóbulos possuem diâmetros variando de 140 a 1700 nanômetros. Os glóbulos não possuem carapaça de material rochoso ou grafitoso, eles são totalmente formados de moléculas orgânicas. A razões isotópicas de nitrogênio N15/N14 e deutério D/H nos glóbulos revelaram anomalias positivas dos isótopos pesados indicando origem extraterrestre, além disso, os glóbulos não representam material formado no asteroide parental por alteração, mas representam material pré-solar de origem interestelar. 

ESQUEMA DE ANÁLISE DOS GLÓBULOS DE MATÉRIA ORGÂNICA PARA IMAGEAMENTO AO MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE TRANSMISSÃO. ARTIGO CIENTÍFICO DE NAKAMURA-MESSENGER.


Os glóbulos de matéria orgânica são estruturas inéditas encontradas em meteoritos, e representam material interestelar que ficou preservado no asteroide parental desse condrito carbonáceo. Para serem preservados, estas partículas de matéria orgânica devem ter permanecido protegidas da radiação solar em densas regiões do disco protoplanetário, a uma distância considerável do protossol, e foram rapidamente incorporados na matéria do asteroide parental. 
Estes glóbulos representam um visumbre de como a vida pode ter surgido induzida por mensageiros cósmicos, os condritos carbonáceos foram os prováveis semeadores da Terra com material orgânico prebiótico, tendo implicações na hipótese da neopanspermia cósmica.

IMAGEM AO MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE TRANSMISSÃO DOS GLÓBULOS DE MATÉRIA ORGÂNICA, ESTRUTURAS ORGANIZADAS GLOBULARES OCAS COMPOSTAS DE MOLÉCULAS ORGÂNICAS NO CONDRITO TAGISH LAKE.

Alguns pesquisadores que apoiam a teoria da panspermia cósmica tradicional argumentariam que estes glóbulos são na verdade antigos esporos mortos de bactérias que habitavam as nuvens moleculares. Conforme a hipótese original de Hoyle e Wickramasinghe, tais glóbulos são abundantes no Universo, permeando as nuvens moleculares e a maioria deles está inerte e morta pela radiação ultravioleta e raios cósmicos. A hipótese para a formação destas estruturas apresentada pelo artigo de Nakamura-Messenger é menos extraordinária, invocando reações químicas de baixa temperatura em pequenas sementes de gelo de água na nuvem molecular, gerando reação química entre moléculas simples como dióxido de carbono, formaldeído e álcoois de baixo peso atômico gerando glóbulos que passaram a envolver grãos de gelo. Após a acreção nos asteroides carbonáceos os grãos de gelo fundiram e alteraram a matriz dos condritos a baixas temperaturas deixando ocas as estruturas esferoidais de moléculas orgânicas. Seja a origem desses glóbulos biótica extraterrestre ou abiótica em processos químicos interestelares, há muito ainda a se estudar com respeito à origem da vida e a relação entre a bioquímica na Terra e as moléculas orgânicas extraterrestres. O condrito Tagish Lake representa uma amostra de um asteroide dentre milhares semelhantes a este e alguns destes asteroides ainda podem trazer mais informações para a Terra em futuras quedas de meteoritos, sendo bem possível que estes corpos parentais representem também núcleos de cometas ou uma transição entre asteroides carbonáceos e cometas propriamente ditos.

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