Cometas - Matéria Protoplanetária

ASTROFOTOGRAFIA DO COMETA HALLEY


A nuvem de Oort é uma gigantesca "bolha" de rochas geladas de diversos tamanhos que se estende além da órbita de Plutão com um raio médio, com centro no Sol, de 20000 UA até 100000 UA. Essa névoa de rochas geladas representa matéria residual da formação do Sistema Solar.

O astrônomo Jean Hendrick Oort foi o descobridor da nuvem. Ele verificou que os cometas vinham de uma região localizada a 20000 UA (1 UA = 150 milhões de quilômetros, é a distância da Terra ao Sol, equivale a aprox. 8 min-luz). Na verdade, a nuvem de Oort nunca foi vista por nenhum telescópio, ela é tênue e, por estar muito longe e ter grandes dimensões, possui pouca refletividade óptica. No entanto, as órbitas de cometas de longo período revelam uma região onde estes se concentram muito além do Cinturão de Kuiper. Com o advento de novos telescópios espaciais de infravermelho e sondas não tripuladas que foram além da órbita de Plutão, como a New Horizons da NASA, está sendo possível mapear os planetas anões gelados do Cinturão de Kuiper e além. Revela-se a natureza dos corpos distantes do Sistema Solar como sendo predominantemente gelos de nitrogênio, gás carbônico, amônia, metano e água.

CONCEPÇÃO ARTÍSTICA DA NUVEM DE OORT, UMA NUVEM DE ROCHAS GELADAS LOCALIZADA NOS CONFINS DO SISTEMA SOLAR.


Apesar da predominância de compostos voláteis no Sistema Solar externo, os cometas se revelam mais ricos em poeria cósmica silicática do que em gelos de fato. A definição que se dava era de que os cometas seriam "bolas de neve sujas", ou seja, eram rochas compostas de gelo de água, metano e amônia junto de partículas minerais cósmicas. A missão Rosetta da ESA (Agência Espacial Européia) trouxe mais dados que quebraram esse paradígma revelando o cometa 67P-Shuryumov-Gerasimenko como uma rocha de baixíssimo albedo, escura como o carvão, com quantidade de gelos e gases muito abaixo do esperado. O cometa 67P revelou-se uma rocha seca formada de material carbonáceo e silicático aglutinado com composição semelhante a dos condritos carbonáceos. Emissão de gases de nitrogênio, amônia e água foi detectada em pequenas quantidade, como também gás oxigênio foi detectado emanando do cometa. Crateras de ejeção de gases de alta pressão foram localizadas na superfície do cometa que parece ser a junção de duas rochas em uma só pelo seu formato inusitado de "pipoca". Os dois reservatórios de cometas no Sistema Solar são o Cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort. 

As porções de gelo e gás aprisionado nos cometas se deslocam da Nuvem de Oort e do Cinturão de Kuiper e viajam em direção à órbita de Plutão para ingressar no Sistema Solar. Mecanismos foram propostos para explicar como os cometas mergulham em direção ao Sistema Solar interior. Como a órbita dos cometas na Nuvem de Oort está praticamente no espaço interestelar, estrelas próximas podem exercer influência gravitacional perturbando as órbitas dos cometas e modificando a forma de suas órbitas para elipses de alta excentricidade. A rocha é atraída pela gravidade do Sol, passa pelos planetas gasosos e ao chegar em Júpiter, muitas vezes, são atraídos e tragados pela sua gravidade impactando sua atmosfera gasosa, um exemplo foi o impacto do cometa Shoemaker Levy 9 registrado pelo telescópio espacial Hubble em 1994. O cometa se partiu em gigantescos pedaços e cada um destes chocou-se um a um contra a grossa atmosfera de Júpiter, deixando no gigante gasoso manchas de diâmetros comparáveis com o diâmetro do planeta Terra.

IMAGEM EM INFRAVERMELHO DE TELESCÓPIO DO COMETA SHOEMAKER-LEVY 9 QUE SE FRAGMENTOU NUMA TRILHA DE ROCHAS ANTES DE IMPACTAR A ATMOSFERA DO PLANETA JÚPITER.


ACIMA, IMAGEM EM INFRAVERMELHO DO MOMENTO DO IMPACTO DOS FRAGMENTOS COMETÁRIOS NO POLO SUL DE JÚPITER, MOSTRANDO A ENORME LIBERAÇÃO DE ENERGIA. ABAIXO, IMAGEM EM INFRAVERMELHO DE MOMENTOS APÓS O IMPACTO MOSTRANDO AS MANCHAS QUE PERMANECERAM NA ATMOSFERA DO PLANETA JÚPITER.

O evento registrado em tempo real no planeta Júpiter em 1994 nos faz lembrar que os impactos cósmicos são reais e acontecem no Universo. Nosso Sistema Solar está numa longa fase de quiessência cósmica porque os projéteis interplanetários são escassos e as distâncias são vastas. No entanto, eventos esporádicos de grande energia ainda acontecem e vão continuar acontecendo em nosso Sistema Solar. Basta um evento de desequilíbrio gravitacional externo ao Sistema Solar para que cometas e asteroides mudem suas órbitas e talvez um pequeno evento de bombardeamento cósmico aconteça no futuro. Mesmo que outro bombardeamento pesado não venha a ocorrer, o estado de alerta de um impacto gigante ainda permanece para os planetas.

Quando estas rochas não são tragadas pelo campo gravitacional de Júpiter, podem chegar ao Sistema Solar Interior e ir em direção ao Sol. Ao aproximar-se do Sol, os ventos solares e a pressão de radiação solar começam a fragmentar a rocha que cria um vórtice ou "cauda" de poeira e gelo que se desprendem da mesma. O gás também é liberado e ionizado pelas partículas carregadas do vento solar (prótons, elétrons, pósitrons, partículas alfa, dêuterons, íons de sódio, cálcio etc) constituindo uma segunda cauda de gás ionizado colorido (a cor depende do gás). Esse processo físico que acontece no cometa gera o seu brilho, devido a este passar a emitir radiação eletromagnética devido à ionização do gás liberado. O cometa é constituído de um núcleo (é a própria rocha que deu origem ao cometa), o coma (região onde nasce o vórtice de poeira e gás, uma atmosfera temporária), a cauda de poeira e a cauda de gás, lembrando que a cauda de gás e poeira se projeta em direção oposta à incidência de luz solar, isso significa que não é obrigatório que a cauda se projete na direção oposta ao sentido do vetor velocidade do cometa. O núcleo de um cometa pode ser ativo, ou seja, apresentar jatos de gás seco, algo semelhante a geisers, o principal gás que se desprende do núcleo é o hidrogênio, daí a cauda gasosa ser chamada de envelope de hidrogênio, a cauda gasosa divide-se em outras duas componentes, o hidrogênio neutro molecular e o hidrogênio ionizado.

Um cometa se aproxima do Sol devido ao campo gravitacional produzido pelo mesmo e faz a sua trajetória no espaço, essas trajetórias, as órbitas, estão contidas em um plano que pode está seccionando a eclíptica, isso pode fazer com que a órbita do cometa esteja "mergulhando" perpendicularmente além das órbitas da maioria dos planetas, as órbitas cometárias podem ser:
-HIPERBÓLICAS: o cometa se aproxima do Sol, realiza uma curva hiperbólica no periélio e não retorna mais.
-PARABÓLICAS: o cometa aproxima-se do Sol, realiza uma curva parabólica no periélio e desaparece.
-ELÍPTICAS: o cometa aproxima-se do Sol, realiza uma curva no periélio, se afasta até o afélio e retorna em um ciclo ou período cometário calculado pelos astrônomos. O cometa Halley, o cometa Halle-Bopp, Hyakutake e o Encke são exemplos de cometas que possuem órbitas elípticas. As órbitas cometárias elípticas são, normalmente muito excêntricas. Como exemplo, a excentricidade da órbita do cometa Halley é de 0,96. Cometas com órbitas elípticas são subdivididos em cometas de longo período e de curto período. Os cometas de curto período têm sua origem no Cinturão de Kuiper e os cometas de longo período têm sua origem na Nuvem de Oort. 

ASTROFOTOGRAFIA DO COMETA HALLE-BOP, UM COMETA DE LONGO PERÍODO. O PERÍODO DE REVOLUÇÃO DESTE COMETA FOI CALCULADO EM 4000 ANOS.

COMETA ENCKE, DE CURTO PERÍODO. SEU PERÍODO ORBITAL TEM 3 ANOS.


Muito pouco era sabido da composição química e mineralógica dos cometas, algumas hipóteses foram levantadas sobre a semelhança que teriam com a matriz de condritos carbonáceos CI e CM. A missão Stardust da NASA coletou em uma placa de aerogel algumas partículas de poeira cometária que desprenderam da cauda do cometa Wild 2. A missão retornou foi iniciada em 1999 e em 2006 retornou à Terra com algumas partículas do cometa. As análises de laboratório confirmaram partículas silicáticas magnesianas, micropartículas de enstatita. Pouco foi aprendido com esta missão. Mas já era alguma coisa. A missão Rosetta pôde analisar melhor a composição de um cometa e até mandou uma sonda para pousar em sua superfície, a sonda Philae. Embora tenha ocorrido complicações no pouso, a sonda revelou dados sobre a textura da superfície. Vários artigos científicos foram publicados graças a esta missão não tripulada que alcançou seu ápice em 2014 quando a sonda alcançou o cometa 67P. 

NÚCLEO DO COMETA 67P-SHURYUMOV-GERASIMENKO FOTOGRAFADO PELA SONDA NÃO TRIPULADA ROSETTA DA AGÊNCIA ESPACIAL EUROPÉIA.


A teoria mais aceita atualmente para a formação dos cometas é a de acreção de partículas protoplanetárias e interestelares de composição isotópica pré-solar em aglomerados planetesimais que se aglomeraram longe do Sol. Devido à distância, os côndrulos e CAIs, que são sólidos resultantes de condensação e cristalização ígnea próximo do protossol, não foram incorporados ao corpo dos cometas planetesimais. Como consequência as rochas cometárias acumularam mais gelos e poeira interplanetária, tanto reprocessada pelos eventos de aquecimento no disco protoplanetário quanto partículas minerais de origem na nebulosa solar, isto é, partículas formadas em atmosferas de estrelas gigantes anteriores e em explosões de supernovas. A matriz rochosa fina e friável dos cometas é semelhante à matriz alterada dos condritos carbonáceos CI, que não têm côndrulos e apresentam mineralogia modificada por alteração aquosa de baixa temperatura. Estes corpos possuem alteração aquosa de baixa temperatura por terem se condensado longe do protossol e acumulado para si muito material volátil como partículas de composição carbonácea, moléculas orgânicas pré-solares geradas por processos astrofísicos na nebulosa solar primordial e gelos de água, amônia e metano. Devido à água ser menos volátil que amônia, nitrogênio e metano, ela se incorporou à estrutura dos silicatos originais da matriz rochosa dos cometas e gerou alteração aquosa da mesma. Analisando os condritos CI observa-se veios de carbonatos, matriz serpentinizada e cloritizada, presença de material carbonáceo na forma de grafita, carbono amorfo e moléculas orgânicas. A presença de moléculas orgânicas é icônica dos cometas, eles possuem grande quantidade de material orgânico primordial e possivelmente modificado por eventos protoplanetários.

Os cometas são diferentes dos asteroides nos quesitos presença de matéria orgânica, elementos voláteis como gases e gelo de água, baixa abundância de fases refratárias recristalizadas por processos protoplanetários como ferro-níquel, cristais desenvolvidos de olivina e piroxênio, ausência de aglomerações sólidas minerais geradas por processos protoplanetários de condensação e cristalização ígnea como côndrulos e CAIs (Inclusões ricas em cálcio e alumínio) e presença predominante de uma matriz carbonácea fina e maior abundância de grãos microcópicos a nanoscópicos de origem pré-solar e protoplanetária sem reprocessamento termal. Alguns pesquisadores defendem que os condritos carbonáceos CI podem ser amostras de cometas que já perderam todo o seu conteúdo gasoso, ficando para trás as fases sólidas. Antigos núcleos de cometas que se "apagaram" por perder todos os seus voláteis podem ser confundidos com asteroides de classe espectral C. Existem objetos que estão nesta transição entre asteroide e cometa, são normalmente habitantes do espaço interplanetário do planeta gigante gasoso Netuno e têm origem provável no Cinturão de Kuiper, estes objetos são chamados de Centauros e provavelmente são núcleos de antigos cometas. Outros núcleos de cometas foram fotografados por sondas espaciais anteriores à missão Rosetta e revelaram corpos de albedo baixo e quase sempre com assinatura de material carbonáceo e orgânico. A novidade da presença de matéria orgânica que existe em seres biológicos foi confirmada já em 1997 quando foi detectado aminoácidos no gás expelido pelo cometa Wild 2.

NÚCLEO DO COMETA HALLEY FOTOGRAFADO PELA SONDA GIOTTO EM 1986.

NÚCLEO DO COMETA TEMPEL 1 FOTOGRAFADO PELA SONDA DEEP IMPACTO EM 2005.

NÚCLEO DO COMETA WILD 2 FOTOGRAFADO PELA SONDA STARDUST EM 1997, AO LADO UM MAPA COM OS NOMES DADOS ÀS CRATERAS DE LIBERAÇÃO DE GASES.

NÚCLEO DO COMETA BORRELLY FOTOGRAFADO PELA SONDA DEEP SPACE 1 EM 2001.


Devido à abundância dos cometas no Sistema Solar e sua composição primitiva, eles são estudados como os prováveis originadores da água e da vida na Terra e talvez no passado do planeta Marte. Evidências de água líquida no planeta Marte 3,9 bilhões de anos atrás o coloca como planeta provável que abrigou vida no passado. Os cometas contêm a chave para se compreender a origem do Sistema Solar no que diz respeito à química do disco protoplanetário em regiões distantes da influência do Sol recém formado. Além disso, os cometas encerram em si moléculas orgânicas que foram sintetizadas na nebulosa primordial que formou o Sistema Solar, além de água, o componente essencial para o desenvolvimento de formas de vida como conhecemos. As moléculas orgânicas detectadas nos cometas também foram detectadas nos condritos carbonáceos CI e CM. Especificamente hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, hidrocarbonetos alifáticos, bases nitrogenadas, carboidratos simples, aminoácidos levógiros e alguns dextrógiros, todas estas moléculas são blocos fundamentais da vida na Terra. Além disso, muitos pesquisadores que apóiam a hipótese da Panspermia Cósmica defendem a presença de bactérias fossilizadas em condritos carbonáceos CI, o que indica que a vida pode ter vindo do espaço, microorganismos trazidos por cometas. Esta hipótese era defendida pelos astrônomos Fred Hoyle e Chandra Wickramasinghe. Além disso, um pesquisador da NASA, o Dr. Richard B. Hoover publicou diversos artigos científicos mostrando imagens e análises químicas por microscópio eletrônico de varredura e dados de microssonda iônica indicando a presença de bactérias fossilizadas em condritos carbonáceos CI. E como não citar a polêmica publicação de 1996 da provável evidência de nanobactérias fossilizadas no meteorito ALH 84001, um fragmento de 3,9 bilhões de anos da crosta de Marte. A vida pode ter sido semeada na Terra e em Marte por cometas durante a era do bombardeamento pesado tardio. Muitos estudos demonstram que microorganismos podem sobreviver à entrada atmosférica e a impactos de cometas em superfícies planetárias. Microorganismos podem suportar o vácuo do espaço, falta de água. Esporos bacterianos e vírus conseguem suportar altos níveis de radiação ultravioleta e raios cósmicos. Se as afirmações da Panspermia Cósmica mostrarem ser verdadeiras, o mistério da origem da vida se estende definitivamente para os confins do Universo, começando a jornada nos cometas.

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